A nona sinfonia do alemão Ludwig von Beethoven, composta poucos anos antes de sua morte, foi declarada pela UNESCO em 2002 como patrimônio cultural da humanidade. O mais impressionante da célebre obra do compositor alemão é o fato de ele já ser surdo quando a compôs.
O músico, sem causas conhecidas, foi perdendo progressivamente sua audição durante trinta anos, entre os 20 e os 50, quando ficou completamente surdo. Como, então, ele foi capaz de fazer algumas de suas mais belas sinfonias e, decerto, a mais importante delas depois de perder a audição? A resposta não é tão simples de se entender mas sua compreensão significou grandes avanços para quem possui algum déficit auditivo.
Em suma, a resposta a esta questão passa pelo fato de a maior parte do processo auditivo se processar no cérebro. Um aparelho auditivo perfeito seria “inútil” se o córtex cerebral não fosse capaz de decodificar os impulsos elétricos nos quais são transformadas as ondas sonoras no ouvido interno, mais precisamente na cóclea.
O grande compositor alemão perdeu a sensibilidade do seu aparelho auditivo, mas sua capacidade cerebral de compreender os sons se manteve intacta. Isso, na prática, quer dizer que a memória auditiva de Beethoven, apesar de ele ser incapaz de ouvir, continuou funcionando. Ou seja, em sua mente ele ouvia as partituras e as combinações de notas que fazia. Didaticamente, é como você criar textos mentais e posteriormente colocá-los no papel.
A lógica da experiência de Beethoven é a inspiração para as mais modernas tecnologias em soluções auditivas. Esse entendimento, inclusive, amplia a gama de déficits auditivos que podem ser supridos através de aparelhos. Os pesquisadores entenderam que amplificar os sons pura e simplesmente em alguns casos é um paliativo, em outros inútil. O que deve ser feito efetivamente é transmitir ao cérebro as ondas sonoras em forma de impulsos elétricos. Para se ter uma ideia, nos dias de hoje, em casos de perdas auditivas mais profundas, já são usados até implantes cocleares, que consiste em um implantar direto na cóclea um dispositivo capaz de impulsionar diretamente o nervo auditivo.
Mas não foram somente à gama de deficiências e níveis de surdez que se beneficiariam deste entendimento. A qualidade da audição e a satisfação de quem já usava quaisquer tipos de aparelhos auditivos melhorou sensivelmente. Isso porque entender a audição como processo cognitivo significa compreender não só que o cérebro é capaz de decodificar os sons em algo compreensível, mas também pode filtrá-los,selecioná-los, direcioná-los e focá-los conforme sua necessidade. Em outras palavras, o fato de conseguirmos perceber melhor um determinado som em um ambiente ruidoso não se resolve simplesmente amplificando todos os sons.
Muitos usuários de aparelhos auditivos convencionais, os que funcionam como amplificadores, persistem na reclamação de sentirem-se incomodados com o excesso de barulho ou mesmo em terem dificuldade para discriminar e focar os sons que realmente lhe interessam. Isso se deve justamente ao fato de o amplificador não ser capaz de fazer essa “filtragem” sonora como o nosso sistema auditivo. Hoje, porém, os aparelhos deixaram de ser meros amplificadores. Eles são capazes de realizar essa “filtragem” sonora, focando, direcionando e selecionando os sons conforme à conveniência do paciente.
O músico alemão mostrou que nossa capacidade auditiva de transformar ondas sonoras em códigos compreensíveis está muito além dos ouvidos. Inspirada nessa lógica, a tecnologia de hoje é capaz de solucionar problemas auditivos mais profundos e, sobretudo, deixar a audição de uma pessoa com deficiência muito próxima da natural.